Para desenvolver bairros populares planejados é preciso avaliar a qualidade do terreno e as condições do local onde ele está inserido. - Costa e Brito
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Para desenvolver bairros populares planejados é preciso avaliar a qualidade do terreno e as condições do local onde ele está inserido.

A soma dos custos de terrenos bem localizados, urbanização, construção de empreendimentos mistos e da infraestrutura do entorno muitas vezes faz com que a conta não feche - sobretudo no segmento popular, em que as margens são geralmente mais apertadas. Dessa forma, a viabilização de bairros planejados dependerá, inicialmente, do terreno que se tem ou que se planeja comprar. A partir do terreno é que será possível avaliar quais produtos podem ser feitos, se será preciso incentivo público, se já existe infraestrutura no local, entre outros itens.

Os gastos necessários para possibilitar a implantação em determinado terreno podem impedir, por exemplo, que o empreendimento se enquadre no Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV). Por isso, a criação de bairros populares exige que a área já seja urbanizada e tenha acesso fácil a comércio e transporte. Em geral, o que as empresas fazem hoje é procurar por terrenos já desenvolvidos para neles instalarem seus condomínios residenciais populares. O que a construtora espera é que o poder público - ou empresa privada - realize a urbanização por ela.

Entre os especialistas ouvidos pela reportagem, é consenso que, sozinha, a incorporadora nem sempre consegue viabilizar um bairro planejado popular. É possível viabilizar bairros de média e alta renda, em que os preços dos imóveis são mais elevados e cobrem todos os custos. Mas aí fica a questão: não seria possível inserir uma parcela de imóveis populares nestes bairros de alta renda que vêm sendo lançados? Na avaliação de Fabio Villas Bôas, diretor-executivo técnico da Tecnisa, sim, seria possível fazer bairros com rendas variadas, desde que houvesse subsídio público.

"Se a construtora compra um terreno em Moema, por exemplo, gasta R$ 5 mil por metro quadrado só de terreno. Como isso vai caber na conta de um imóvel popular? As prefeituras deveriam desapropriar áreas ou comprar essas áreas de alguma forma, e aí inserir os imóveis de baixa renda nesses bairros", argumenta.

De fato, a estruturação de um bairro, independentemente do segmento, é complicada e exige energia de todos os lados. "Soluções para as questões urbanas são complexas, necessitando do esforço conjunto das três esferas de governo, da sociedade, da academia e de toda cadeia produtiva do setor. Certamente, os bairros planejados populares constituem apenas parte da solução", analisa Odilon Salgado Neto, gerente nacional de Padronização e Normas Técnicas de Construção Civil da Caixa Econômica Federal (CEF).

Antes e depois da construção
Misto de loteadora e operadora de shopping center, a empresa Bairro da Gente procura viabilizar a urbanização e o planejamento de cada pedaço do futuro bairro popular. "Sabemos que a partir do momento em que todo o resto estiver preparado e resolvido, não faltarão construtoras para trabalhar no bairro - cada uma construindo o seu pedaço. Nosso trabalho é focar naquilo que as incorporadoras não fazem", conta Iury Lima.

Um dos objetivos secundários é diminuir os deslocamentos na cidade, estabelecendo novas centralidades nos bairros criados. "Haverá empresas, empregos gerados pelo comércio e pelos equipamentos públicos. Claro que vai ter menos ou mais empresas, a depender da atividade do local. Mas quando começamos a replicar esse modelo de bairro, os deslocamentos diminuem", explica o sócio-fundador da empresa.

Em termos de infraestrutura, diz Lima, não se trata de um bairro de classes C e D, mas sim de classe A, com área verde, ciclovias, calçadão com lojas e fiação aterrada.

A companhia atua nas duas pontas: antes e depois da construção. Dessa forma, tem uma relação de longo prazo com o bairro, porque fica na comunidade depois que as construtoras finalizam os empreendimentos. "Temos o negócio de shopping de rua, que gera renda para nós. Não somos o lojista, mas o dono da loja. Tratamos isso como um shopping center, mas de rua. Se o bairro afundar, como afundam os conjuntos habitacionais, nós estamos rasgando dinheiro" afirma.

Neste modelo, a administração do bairro fica a cargo de uma associação de moradores bem estruturada, formada por moradores e lojistas. A empresa responsável pela criação do bairro ajuda a formar e a organizar essa associação. Isso para que, ao longo do tempo, ela tenha uma independência natural. Os recursos seriam provenientes dos próprios moradores e lojistas, além de se originarem de possíveis outras fontes, como a renda gerada pela zona azul no bairro - caso fosse estabelecido algum tipo de concessão com o poder público. "Diretamente, não gerenciamos o bairro, mas indiretamente vamos ajudar na montagem de uma estrutura para que o bairro seja bem gerido", resume.

Viabilizar é o desafio
Segundo Salgado Neto, da maneira como está estruturado hoje, o MCMV permite a produção de bairros planejados populares. Vale lembrar que recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) apresentam restrições para o financiamento de unidades comerciais. Entretanto, é possível estruturar operações utilizando outras opções de funding disponíveis, como o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) ou recursos de instituições públicas, como Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e CEF.

"Para os grandes empreendimentos planejados é possível ainda estruturar operações utilizando instrumentos mais sofisticados de financiamento, como fundos imobiliários e lançamentos de debêntures", afirma o dirigente da CEF. Fora a questão do custo, há a complexidade jurídica e o excesso de burocracia, que dificultam a formatação de qualquer tipo de empreendimento, mesmo os mais simples. Entretanto, para Salgado Neto, não há diferença significativa, sob o ponto de vista jurídico, em se formatar empreendimentos populares de perfil único ou misto.

A dificuldade está mesmo na concepção do bairro - planejar, urbanizar, fazer o parcelamento do solo e trazer as âncoras para o empreendimento. "Se a gente pudesse, só faria esses bairros planejados, porque o futuro é isso, mas não são tão fáceis. O mercado de terrenos não está tão favorável. Além disso, é pouco provável que uma grande quantidade de empresas vá se estabelecer no bairro. Comércio é mais fácil de levar, por exemplo, mas escritórios não", avalia Ronaldo Cury, diretor de relações institucionais da Cury.

Cury acrescenta que, em empreendimentos acima de 1.500 unidades na Faixa 1 do MCMV, o governo obriga o empreendedor a fazer equipamentos comunitários e comércio, no entorno das unidades. "O Ministério das Cidades, por meio de um comitê, analisa as famílias que vão morar e se vai ter equipamento de lazer, comunitário, transporte, comércio primário etc. Se não tiver nada disso, eles mandam o construtor ou a prefeitura fazer, ou não deixam fazer o empreendimento", explica.

Rendas variadas
Existe a crença no mercado de que, ao colocar muitos equipamentos no bairro, como parques, serviços e áreas verdes, a região acaba se valorizando muito, o terreno fica mais caro e dificulta a manutenção do padrão de lançamentos apenas populares. Para Iury Lima, da Bairro da Gente, no entanto, o ideal é que os bairros populares se valorizem mesmo. "Eu gostaria que o nosso bairro tivesse bastante média renda, e não só baixa renda. É preciso que haja essa mistura. Isso faz com que as pessoas de classe C e D não morem num gueto", analisa.

Aí fica outra dúvida: como garantir que existam todas as classes no mesmo bairro? Segundo Lima, na largada de um Bairro da Gente é possível propor princípios urbanísticos, determinando o que terá no bairro, conforme o planejamento feito junto ao poder público. Por exemplo: o acordo pode prever que 30% dos imóveis sejam da Faixa 2 do MCMV, com o restante composto por outras faixas de renda. Isso garante que haja sempre empreendimentos das diversas faixas do MCMV - por mais que, no futuro, já com o bairro planejado, haja demanda para apartamentos acima de R$ 500 mil.

Mas esse tipo de empreendimento não é possível sem o incentivo do poder público, que precisa aprovar condições especiais, além do apoio de bancos, Governo Estadual e Ministério das Cidades. Para Fábio Villas Bôas, da Tecnisa, é preciso haver também leis que direcionem para aquilo que se busca. "Se o objetivo for um bairro misto, é preciso ter um terreno que permita custos variados, onde se permitam ofertas tanto para alta renda quanto para baixa renda", opina.

FEASIBLE NEIGHBORHOODS
The sum of the costs of well-located land, urbanization, construction of mixed developments and surrounding infrastructure often makes lowincome planned neighborhoods unfeasible. Therefore, their creation requires a previous urbanized area with easy access to commercial establishments and transportation.

Alone, the developer can make middle and high income neighborhoods viable, where property prices are higher, covering all costs, but it cant make a low-income planned neighborhood. It is possible to structure transactions using available funding options, such as the Brazilian System of Savings and Loans (SBPE in Portuguese) or resources from public institutions, like the National Bank for Economic and Social Development and Caixa Econômica Federal. Big construction projects can also use more sophisticated tools, such as real estate funds and issuing debentures.

The process begins with land division, urbanization and long-term planning, carried out by a public or private player. Then, public funding and incentives are defined, so the company responsible for the land division can offer plots to developers. Simultaneously, the company seeks anchors for the neighborhood by the private and public sectors. As the neighborhood gets built, a residents> association is in charge of its administration, which is formed and supported by the city hall, by the plot company and by the builders operating in the community.

Fonte: Construção Mercado